EPISTEMOLOGIAS COMUNITÁRIAS

EPISTEMOLOGIAS COMUNITÁRIAS

 

 

 

 

 

Epistemologias Comunitárias, 2019

Vídeo síntese

Laboratório de Culturas e Humanidades (Labcult )

Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais

Áudio/ Captação de imagem (Skype): Janaina Barros Silva Viana

Registro fotográfico/Cinegrafista: Wagner Leite Viana

Edição de imagens/transcrição/tradução: Rogério Rodrigues

                                                                   Ana Carolina Horikawa

Supervisão residência pós-doutoral (2018-2020): Maria Aparecida Moura

 

 

 

 

 

 

 

 

No texto Descolonizar las luchas: la propuesta del feminismocomunitario  da poeta, cantora, compositora e artista visual aymara boliviana Julieta Paredes Carvajal enfatiza a importância de desmitificar a palavra escrita como um ato revolucionário. Logo, o ato de nomear, conceituar e argumentar sobre, permite a reelaboração de práticas políticas de grupos hegemonizados para que estrategicamente possam descolonizar os corpos, as espiritualidades e as lutas de mulheres, de povos originários, da classe trabalhadora. Isto significaria a luta pela liberdade e pelo Bem Viver. O termo feminismo decolonial ou pós-colonial traduz um pensamento hegemônico e de colonialidade ocidental que se autorreferencia como uma narrativa universal associada a ideia de progresso, civilização, tecnologia, política, cultura, arte, razão.  Então, para a escrita de um feminismo comunitário é fundamental localizar na história os processos de lutas femininas a partir do processo colonial na América por mulheres indígenas desde 1492. O que contradiz uma narrativa hegemônica e universal de luta feminina quando se altera a  perspectiva de qual voz está em questão; o termo feminismo/feminista é friccionado a partir de seu campo semântico hegemônico para traduzir na  palavra comunitário as relações dialógicas entre comunidades e suas articulações políticas de lutas ao longo de séculos. A escolha de determinadas terminologias, como por exemplo, cosmovisão para referendar o pensamento filosófico de povos indígenas ou mesmo artesania para produções artísticas definem dentro desta lógica colonial o que se constitui ou não como conhecimento. Neste sentido, feminismo comunitário compreende que o destino de todos os corpos é definido por sua agência nas organizações e comunidades de origem.  Ao mesmo tempo, buscando lutar contra as injustiças e violências sistêmicas vivenciadas por homens negros e indígenas, mulheres negras e indígenas, dissidentes de gênero, LGBTQI+.  

 Não obstante, palavras como decolonialidade e transmodernidade aparecem constantemente em textos acadêmicos onde intentam dialogar com atores sociais negros e indígenas. Entretanto, escamoteiam implicitamente relações hierárquicas sobre aqueles vistos ainda nestas terminologias como o Outro na produção de conhecimento. Isto se dá na criação de um novo cânone acadêmico para leituras de determinados autores num fluxo geopolítico do conhecimento entre o sul e o norte global, onde   fundamentaria um multiculturalismo teórico, racializado e que exotiza  estes corpos. Para Silvia Rivera Cusicanqui, socióloga e professora emérita da Universidad Mayor de San Andrés em La Paz, Bolívia, em seu texto Ch’ixinakax utxiwa. Una reflexión sobre prácticas y discursos descolonizadores (2010), seria necessário trazer à cena uma economia política do conhecimento como forma de romper com certas estruturas de poder e desmontar as estratégias econômicas e os mecanismos materiais que se encontram ocultos nos discursos sutis de recolonização de imaginários no Sul global. Dialogicamente, no texto Poética da Relação do escritor, poeta e romancista Édouard Glissant há a metáfora da barca como abismo para aquilo que petrifica, na experiência da deportação dos africanos para as Américas, é sem dúvida o desconhecido, enfrentado sem preparação nem desafio. O primeiro abismo seria o exílio  distante de sua comunidade tutelar quando se adentra o ventre da barca. Esta gesta corpos que pereceram ou, ainda, perecerão. O segundo abismo é o mar. O terceiro abismo é imagem invertida de tudo o que foi abandonado. A memória que se esgarçou num fio tênue de lembrança para outras gerações. Para Glissant, a relação compreende conhecimento compartilhado.  Entretanto, o abismo é também projeção e perspectiva do desconhecido. Tanto no exílio, quanto na errância existe a ausência de raiz.  O autor  referencia Gilles Deleuze e Félix Guattari ao debater o conceito de rizoma como uma noção de rede que é estendida seja pelo ar ou pela  terra.  Diferentemente, a raiz encontra-se contida em si mesma. Pois, concentra tudo em torno de si e mata o que está à volta. A noção de rizoma  pressupõe a noção de enraizamento, contudo não é uma raiz totalitária.  A Poética da Relação compreende que toda identidade é um prolongamento de uma relação com o Outro.  Ademais, o exílio fragmenta o entendimento sobre identidade. Portanto, o errante é aquele que recusa o estatuto do universal e as generalizações que implicam nos modelos e, por conseguinte, os processos de hierarquização do Outro.

 Este é o percurso conceitual para a constituição do projeto de arquivo digital Epistemologias Comunitárias onde os agenciamentos a despeito dos debates contemporâneos sobre racialidade na produção artística contemporânea potencializam outras perspectivas de escritas anticoloniais. O arquivo digital Epistemologias Comunitárias integra o Laboratório de Culturas e Humanidades Digitais (LabCult) na Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais. Este arquivo fundamenta-se a partir de uma série de entrevistas com artistas  referenciais para uma cena de arte contemporânea de autoria negra em Belo Horizonte e compreende a pesquisa de pós-doutorado, bolsa CAPES PNPD 2018-2019, de Janaina Barros Silva Viana com a supervisão da professora Maria Aparecida Moura, pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais.  O artista e professor Wagner Leite Viana da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais tem atuado como pesquisador colaborador deste projeto.  As entrevistas foram realizadas a partir de noções de redes de aprendizagens e de redes colaborativas de pesquisas poéticas. Metodologicamente, estes mapeamentos ocorreram a partir de diferentes formas de registros documentais (retratos de artistas, registros de performatividades, processos de criação, fotos de ateliês). Estas visualidades apresentam diferentes caminhos  investigativos no campo da pintura, performance, objeto, grafite, escultura, instalação, vídeo, gravura. Na mesma medida, o que evidencia estas diversas performatividades do saber, implicando na produção de epistemologias em processos repertoriados e arquivais presentes na arte contemporânea. Outro aspecto importante para a leitura deste contexto artístico são os diferentes percursos de formação artística e atuação de uma parcela destas autorias no campo da pesquisa, da crítica,  da curadoria e/ou da educação. 

Para isso, a leitura destas produções parte de aspectos formais e conceituais que se referem às questões prementes que sistematizam e formalizam uma dada obra. Portanto, intrinsecamente, encontram-se amalgamados ao ato experimental às referências poéticas, os processos de aprendizagem de um artista, as formas de organização de diferentes saberes que delineiam o seu estilema ou sua grafia. Sem deixar de mencionar, as relações extrínsecas a uma poética: as relações estabelecidas entre os seus pares, as redes de aprendizagens que inserem determinadas poéticas num contexto contemporâneo de produção, a circulação e a legitimação de artistas por um sistema mercadológico de arte ou outros meios independentes de inserção. Portanto, pensar em cena de autoria negra é evidenciar como os processos epistemológicos em produção visual articulam-se nos modos

como a trajetória delineia a formação de artistas e como isto reverbera em suas práxis. Neste aspecto, compreende-se tanto visualidades quanto oralidades como potencialidades de escritas. Destacam-se, o contexto de produção onde os processos de aprendizagens e suas redes de interação (os processos colaborativos de trabalhos e os diálogos com outras produções que potencializam os processos de pesquisa individual) se cruzam na educação de artistas; o ato experimental em si e os percursos epistemológicos que o antecede, as referências visuais e conceituais (aproximações com as ciências, saberes tradicionais, a história, a literatura, antropologia). Do mesmo modo, como o repertório  alimenta a produção de diversas poéticas e linguagens artísticas.

 

 

 

Outros apontamentos:
É possível  acessar o  artigo Epistemologias  Comunitárias:  arquivo e  performatividades na arte contemporânea de autoria negra no seguinte link: https://conferencias.ufsc.br/index.php/enancib/2019/paper/view/813

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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